domingo, 18 de julho de 2010

Agradecemos por isso

Faço 50 anos de casamento daqui um mês. Minha esposa, eu conheci na festa da inauguração de uma igreja em Blumenau. Odiava a igreja e tinha repulsa aos padres. Meu pai queria que eu fosse um. Sabe aquela família tradicionalíssima do sul do País que se reunia à mesa para tudo, com a mãe em silêncio e o pai a olhar pesado para a vida e filhos!? Não que eu fosse um problema lá em casa. Por sinal, sendo o filho mais velho, tinha muitas responsabilidades. Conheci minha esposa e nos demos alguns poucos beijos até que, por conta de um jogo de futebol, quebrei o nariz e tive de me internar no Rio de Janeiro. Aos 17 anos, e isso lá na década de 40, me vi sozinho no Rio, sem conhecer ninguém, mas com uma vontade incrível de descobrir a cidade e, assim, acabar por me conhecer. Mas me faltava algo. Pode parecer bobo, eu sei, mas faltava aquilo que chamamos de metade. Para mim não é metade, para mim é inteiro. Me faltava o inteiro. Me faltava inclusive. Blumenau estava longe? Não sei. Trocávamos cartas desesperadamente. E é muito engraçado, porque isso ajudou a encurtar os períodos de ausência um do outro. Dois anos após sem voltar a Blumenau, as lembranças físicas do rosto dela me tinham saído da cabeça. Já não me lembrava mais com exatidão os detalhes da boca nem os contornos do nariz. Não fiquei preocupado. Continuava a gostar dela. Foi nessa hora que eu percebi que não era a extrema beleza dela que me encantava. Era ela. Eu tinha me apaixonado pelo que descobria aos poucos e pelo que não sabia dela. E isso me fez chegar aos 50 anos de casamento com uma ingenuidade indescritível. Sim, eu sei. Concordo. Mas a gente nunca precisa saber a exatidão das coisas nem a certeza delas. A magia do oculto, a angústia da dúvida, me parece ser o motor em relação ao entender o que é a vida. Quanto mais a certeza paira sobre o ar, menores são os prazeres da descoberta. A sua dúvida em relação a que vinho escolher tem um pouco disso. Não se sabe ao certo nem qual o prato principal mesmo que você me apresente a receita. E isso já é uma vantagem. Porque mesmo que você me detalhe aqui todos os ingredientes, isso não passará de intenções. E elas serão modificadas já quando as palavras saírem da sua boca. Porque eu tenho uma idéia do que possa ser um manjericão, mas para você um tempero pode representar muito mais do que um gosto a mais numa comida já cheia de fazeres. Como disse, daqui um mês completarei 50 anos de casado. E você acha que eu previa isso? Você acha que eu consegui planejar a minha vida? Os encontros inesperados são as provas de que o mistério e a angústia criam sentido para estar aqui hoje, conversando com você. Ou você acha que eu esperava ter uma conversa tão franca com você um dia!? Sequer te conheço. A gente nunca mais irá se ver, concorda? Mas sinto que continuo de algum modo responsável ou presente na sua história que tanto se parece com a minha. Se eu tenho certeza do futuro da sua?! Não! E agradecemos por isso.

2 comentários:

  1. oi vitor! li este texte e lembrei dos meus pais, q tem quase 50 anos de casados... legal conhecer seu blog. um abraço.

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  2. Isso foi uma entrevista, Lopes??
    Ou é pura criação sua mesmo?

    Até a linguagem é diferente do jeito que vc escreve.
    Muito interessante. é de fazer pensar.

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