quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O homem que vendia mapas

Tinha 23 anos e uma paixão inusitada: vender mapas. Naquele momento, passava em frente ao número 451 da Av. Jerônimo Monteiro, no Centro de Vitória, e ao olhar a fachada de um restaurante, lembrou. Seu mais recente amor, o vender mapas, tinha nascido durante suas férias em Coromandel, cidadezinha do interior de Minas Gerais. Chegou ao mundo no exato dia em que a cidade comemorava com festa os cinco anos de inauguração da primeira agência da Caixa Econômica Federal, onde sua mãe trabalhava com atendimento ao público. Foi em Coromandel que conhecera os primeiros passos da vida, antes de se mudar para tantas cidades que nem mais cabiam em seus dedos. Tinha só 23 anos. Para ele, relembrar Coromandel passando por Vitória fazia sentido. Ali naquela movimentada avenida fechava-se um ciclo e, consequentemente, iniciara-se outro. Foi em Coromandel que a conhecera, leve, morena, longos cabelos negros, unhas ao natural e poucas pintas, mas o suficiente para que ele começasse uma viagem pelo seu corpo. Não era noite de São João quando se encontraram, nem existiam especialidades no ar. Era só uma possível união entre os dois, tão natural que todas as vezes que se viam parecia claramente que lhes sobraram os anos anteriores. Intenso nos poucos dias juntos pela pequena Coromandel, certa vez deitou-se ao lado dela e ficou a procurar sinais pelo corpo da mulher. Achou réplicas perfeitas de constelações em seu rosto e outros sinais que só ele, não ela, era capaz de identificar. Foi assim que começou sua paixão por mapas. Com uma caneta imaginária, se alimentava destes sinais, criando ruas, avenidas, becos e estradas por onde seus dedos caminhavam lentamente, sem pressa. Antes que o tempo desgastasse qualquer coisa entre os dois, ele e seus 23 e anos foram viajar durante um final de semana e não mais voltaram. A decisão era sábia, tinha que refazer pelas ruas e estradas do mundo os caminhos que ele a ouvira dizer e também os que criara ao passar sua mão lentamente pelo corpo dela naquelas poucas noites em Coromandel, quando ele mais se lembrava de uns versos de Vinícius de Moraes. “Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura / Essa intimidade perfeita com o silêncio / Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo / Essa mão que tateia antes de ter, esse medo / Resta essa imobilidade, essa economia de gestos / Essa inércia cada vez maior diante do Infinito / Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível / Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado / De pequenos absurdos, essa capacidade / De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil / E essa coragem para comprometer-se sem necessidade”. Hoje, passando por Vitória, semanas depois de ter iniciado essa longa jornada, ele sabe que não precisa dela nem ela dele para viver. Por isso, refaz com seus pés as ligações corpóreas de outrora, agora utilizando os mapas, com a esperança de encontrá-la um dia pelos caminhos que ela nem sabe que está fazendo ele seguir.