A reza não esbarrava.
Uma hora o Dito chamou Miguilim, queria ficar com Miguilim sozinho. Quase que
ele não podia mais falar. – “Miguilim, e você não contou a estória da Cuca
Pingo-de-Ouro...” “ – Mas eu não posso, Dito, mesmo não posso! Eu gosto demais
dela, estes dias todos...” Como é que podia inventar a estória? Miguilim
soluçava. – “Faz mal não, Miguilim, mesmo ceguinha mesmo, ela há de me
reconhecer...” “ – No céu, Dito? No céu?!” – e Miguilim desengolia da garganta
um desespero. – “Chora não, Miguilim, de quem eu gosto mais, junto com mãe, é
de você...” E o Dito não conseguia mais falar direito, os dentes dele teimavam
em ficar encostados, a boca mal abria, mas mesmo assim ele forcejou e disse
tudo: - “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a
gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece
acontecendo. A gente deve de poder ficar então mais alegre, mais alegre, por
dentro!...” E o Dito quis rir para Miguilim. Mas Miguilim chorava aos gritos,
sufocava, os outros vieram, puxaram Miguilim de lá.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
quarta-feira, 1 de maio de 2013
Cientistas tentam explicar o choro do meu avô
Por que
choramos? Em recente matéria publicada pelo The Guardian, alguns pesquisadores
tentam explicar o fato de, por exemplo, meu avô ter se derretido em lágrimas
quando Ronaldo Fenômeno ganhou o prêmio de melhor do mundo em 1996. Era verão e
estávamos, eu e ele, na sala da casa de minha mãe em Marataízes, eu tinha 11 anos
e a gente tinha acabado de dar uma volta para tomar um Guaraná. Eu, guri,
fiquei surpreso quando reparei que dos olhos do meu avô saiam lágrimas quando
anunciaram o nome do brasileiro. Fiquei espantado. “Como pode chorar por alguém
tão distante?”, pensei. No livro “Why Only Humans Weep”(Por que só os Humanos Choram),
que ilustra a reportagem, há algumas tentativas para explicar o motivo do choro
do meu avô. Apresentam exemplos da evolução do estudo do choro: desde os
macacos aquáticos que precisavam se adaptar à água salgada; a necessidade de se
comunicar entre os pares em situação de perigo sem realizar ruídos que pudessem
chamar atenção dos predadores; a lágrima como importância social; a impotência
da infância, quando somos mais vulneráveis; e o fato de, apesar de quase todos
os mamíferos chorarem, apenas os seres humanos manifestam essa reação na fase
adulta. Taí meu avô que não deixa os cientistas mentirem. A matéria termina com
uma constatação realmente esclarecedora. Os seres humanos preferem chorar na
presença de outra pessoa. "Tears are less important when you are alone
because there is no one to witness them" (“As lágrimas são menos
importantes quando você está sozinho porque não há ninguém para testemunhá-las”),
afirma o pesquisador Ad Vingerhoets. Não há vergonha no choro. Muito mais do
que uma questão de parentesco, entendo perfeitamente o por quê sou neto de meu
avô.
A CartaCapital traduziu a reportagem em uma
recente edição.
domingo, 14 de abril de 2013
Essa vai e não volta
Dentro de um vagão, a explicação é simples: esse só vai,
quem volta é outro. Linda e feliz, vestia azul na roupa e por cima dos olhos. A
maquiagem já estava meio borrada por conta da chuva que pegou no caminho, tinha
acabado de sair da festa de aniversário do menino de cinco anos que ela cuida.
Joelma se destaca no meio da multidão. Queria ajuda. Nunca andou de metrô na
vida. Sua história também, apesar de parecida como a de muitos outros. Mas é
diferente quando se expõe assim, na sua frente, com você a ouvir tudo só para
você. O sotaque denuncia a vinda: nordeste. O sotaque não denuncia a volta: não
pretende retornar nunca mais para casa no interior da Paraíba. De lá fugiu de
uma situação de quase escravidão. Trabalhava nas carvoarias e ganhava duzentos
reais por mês. Passava fome facilmente e era endividada com o dono do sitio em
que vivia a respirar o pó preto. Com o desejo de sua filha de estudar na cidade
grande, juntou o dinheiro da passagem e, com mais trezentos reais, veio para o
Rio de Janeiro sozinha. Achava que com esse dinheiro sobreviveria um tempo. Não
deu para quase nada. Logo nos primeiros dias viu que a cidade crescia cada vez
mais, cada vez mais. Saiu de uma situação de pobreza para viver outra no
sudeste. Morou na rua por quase um ano. O que conseguia juntar dava para comer
de vez em quando, sabendo que dois reais por semana eram sagrados para dançar
forró na Feira de São Cristovão. Com medo de tudo o que poderia acontecer com
quem, do nada, passou a dormir na rua, foi procurar ajuda. Conseguiu um emprego
numa casa de uma assistente social que lhe pagava os mesmos duzentos reais, mas
lhe dava comida melhor e uma cama quente. Certa de que só iria dar notícia à
família quando conseguisse um emprego, mandou uma carta escrita por alguém que
sabia escrever. Ela não. Depois de um tempo veio o marido que logo se foi
também. Apaixonou-se por outra e ela acabou sozinha novamente, curando a
solidão apenas com a vinda da filha. Pulando de emprego em emprego, há cinco
anos no Rio, Joelma conseguiu crescer. Trabalha na casa de executivos de duas
grandes empresas nacionais em um bairro distante 50 km ou duas horas da sua
casa. É uma dos cinco empregadas da família: duas babás, cozinheira,
arrumadeira e passadeira. É extremamente grata aos patrões. Com eles, já
visitou três países: Holanda, México e Canadá. Recebe atualmente quase dois mil
reais limpos, além de comer na casa dos patrões. Continua a ter poucos gastos.
Envia mensalmente duzentos reais para um filho que ficou na Paraíba (“é uma
fortuna para ele”), paga oitocentos na faculdade de administração da filha. O
que sobra usa para dançar forró, coisas básicas da casa e também para comprar
roupa e sapato. Reserva um dinheiro para continuar a construir a casa em que
mora. Comprou um terreno em Belford Roxo e, com a ajuda dos vizinhos, ergueu
sua morada. Movimentou o mundo para dar sonho aos filhos. Está resolvendo os
seus agora. Já na quinta série, está aprendendo a ler e sorri com orgulho
quando pergunto se consegue ler a placa do metrô: Flamengo. Queria descer na
Central, local de chegada e saída de ônibus para inúmeros destinos. Um,
certamente ela já descartou. Joelma não quer voltar para o nordeste. Sua casa
agora é o Rio de Janeiro. Assim como esse trem, Joelma só vai. Não volta.
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