quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Perto de você, tudo me falta, tudo me preenche


Aqui nessa lonjura de tempo, eu entendi que fui para bem longe. Foram exatos dois dias e meio de viagem num ônibus da Itapemirim que eles esqueceram no meio do caminho. Não tinha água, não tinha banheiro, só muita gente. Atravessei o sudeste inteiro e hoje estou aqui em voltas perto do Pará. Desci do ônibus em que conhecia umas três, quatro ou cinco Marias, mais uma infinita quantidade de Joãos e Josés, todos com nomes diferentes, mas cujas histórias se parecem. Antônio Carlos, 35 anos, subiu no Itapemirim no interior de São Paulo. Carregava consigo uma mochila cheia de castanhas que ele não conseguiu vender. Ia tentar fazer isso pelo meio do caminho de volta para casa, após ficar poucos meses na cidade grande tentando toda a sorte de desventuras que por ele passasse. Seus planos deram errado. Não se apaixonou por ninguém, não conseguiu dinheiro, não teve onde morar. Havia em si apenas uma excessão. Largar tudo (ou nada que tinha) e voltar para casa, recomeçar do zero no local em que ele mais conhecia, a sua cidade natal. Gervásio Silva, 25 anos mais velho que Antônio Carlos, também voltava para casa. Nas mãos, pouca coisa. No bagageiro do Itapemirim amarelo ano 92, toda a sua vida. Quando o ônibus encostou na Rodoviária de Brasília, ele já estava lá parado há muito tempo, tentando cercar dos olhos alheios seus pertences. Caixas e mais caixas de papelão não me deixaram decifrar tudo o que ali havia. Apenas em uma, cujas cordas e fitas adesivas já haviam se deteriorado deu para perceber algo como uma manta. “Mas no norte eu imaginei que fizesse muito calor, porque levar cobertas?”. “É minha cama”, respondeu rispidamente esse João/José que por mim passou durante horas e cujo jeito cabreiro pouco pude descobrir. De Minas Gerais, vim sentado ao lado de Maria Ines Perpétua, cujas frases que saiam de sua boca, no alto dos seus, suponho, 72 anos, eram praticamente teses de ficção científica. Visivelmente perturbada com toda aquela condição, de ter que retornar para sua vida outrora indesejada, proferia sons desconexos todas as vezes em que acordava. Eu, totalmente distinto de daquelas 40 pessoas ali presas por horas num Itapemirim, sabia que não adiantava ter viajado para longe, ter ficado aquele feriado em casa, ter te descoberto por agora, ter escutado tanto discos, lido tantos livros, visto tantos filmes, nem ter comprado aquele dicionário Houaiss com seus 228.500 verbetes, 376.500 acepções, 415.500 sinônimos, 26.400 antônimos e 57.000 termos arcaicos. Ainda não encontrei a palavra exata que quero para te dizer.

domingo, 24 de outubro de 2010