Dentro de um vagão, a explicação é simples: esse só vai,
quem volta é outro. Linda e feliz, vestia azul na roupa e por cima dos olhos. A
maquiagem já estava meio borrada por conta da chuva que pegou no caminho, tinha
acabado de sair da festa de aniversário do menino de cinco anos que ela cuida.
Joelma se destaca no meio da multidão. Queria ajuda. Nunca andou de metrô na
vida. Sua história também, apesar de parecida como a de muitos outros. Mas é
diferente quando se expõe assim, na sua frente, com você a ouvir tudo só para
você. O sotaque denuncia a vinda: nordeste. O sotaque não denuncia a volta: não
pretende retornar nunca mais para casa no interior da Paraíba. De lá fugiu de
uma situação de quase escravidão. Trabalhava nas carvoarias e ganhava duzentos
reais por mês. Passava fome facilmente e era endividada com o dono do sitio em
que vivia a respirar o pó preto. Com o desejo de sua filha de estudar na cidade
grande, juntou o dinheiro da passagem e, com mais trezentos reais, veio para o
Rio de Janeiro sozinha. Achava que com esse dinheiro sobreviveria um tempo. Não
deu para quase nada. Logo nos primeiros dias viu que a cidade crescia cada vez
mais, cada vez mais. Saiu de uma situação de pobreza para viver outra no
sudeste. Morou na rua por quase um ano. O que conseguia juntar dava para comer
de vez em quando, sabendo que dois reais por semana eram sagrados para dançar
forró na Feira de São Cristovão. Com medo de tudo o que poderia acontecer com
quem, do nada, passou a dormir na rua, foi procurar ajuda. Conseguiu um emprego
numa casa de uma assistente social que lhe pagava os mesmos duzentos reais, mas
lhe dava comida melhor e uma cama quente. Certa de que só iria dar notícia à
família quando conseguisse um emprego, mandou uma carta escrita por alguém que
sabia escrever. Ela não. Depois de um tempo veio o marido que logo se foi
também. Apaixonou-se por outra e ela acabou sozinha novamente, curando a
solidão apenas com a vinda da filha. Pulando de emprego em emprego, há cinco
anos no Rio, Joelma conseguiu crescer. Trabalha na casa de executivos de duas
grandes empresas nacionais em um bairro distante 50 km ou duas horas da sua
casa. É uma dos cinco empregadas da família: duas babás, cozinheira,
arrumadeira e passadeira. É extremamente grata aos patrões. Com eles, já
visitou três países: Holanda, México e Canadá. Recebe atualmente quase dois mil
reais limpos, além de comer na casa dos patrões. Continua a ter poucos gastos.
Envia mensalmente duzentos reais para um filho que ficou na Paraíba (“é uma
fortuna para ele”), paga oitocentos na faculdade de administração da filha. O
que sobra usa para dançar forró, coisas básicas da casa e também para comprar
roupa e sapato. Reserva um dinheiro para continuar a construir a casa em que
mora. Comprou um terreno em Belford Roxo e, com a ajuda dos vizinhos, ergueu
sua morada. Movimentou o mundo para dar sonho aos filhos. Está resolvendo os
seus agora. Já na quinta série, está aprendendo a ler e sorri com orgulho
quando pergunto se consegue ler a placa do metrô: Flamengo. Queria descer na
Central, local de chegada e saída de ônibus para inúmeros destinos. Um,
certamente ela já descartou. Joelma não quer voltar para o nordeste. Sua casa
agora é o Rio de Janeiro. Assim como esse trem, Joelma só vai. Não volta.