terça-feira, 20 de julho de 2010

Entre o ser e estar

- Sabe o que mais me incomoda ao estudar uma língua?
- Ahm.
- O fato de algumas, mesmo tão bonitas de serem faladas, não fazerem o básico.
- Qual seria esse básico?
- Diferenciar o verbo ser do estar.
- É verdade. A própria língua parece se esquecer de quem está usando a fala.
- Isso! Esquece a turbulência que é o ser humano.
- Por isso é inaceitável, como no francês, o verbo ser ter a mesma palavra para designar o estar.
- É! No inglês também. Pecam por aí. Como pode não diferenciar o estado do ser humano mais claramente!?
- Nunca deixa claro se a pessoa é ou está.
- Vai ver porque os seres humanos são tão enigmáticos, não?
- Pode ser que as próprias línguas não queiram revelar esses sentimentos e estados do homem tão claramente.
- É verdade! Está aí um caminho! Interessante isso! A própria palavra traz em si o mistério que é o ser humano.
- É...! E você é ou está?
- No português, prefiro estar, mesmo sendo. Nas outras, ser e estar.

domingo, 18 de julho de 2010

Agradecemos por isso

Faço 50 anos de casamento daqui um mês. Minha esposa, eu conheci na festa da inauguração de uma igreja em Blumenau. Odiava a igreja e tinha repulsa aos padres. Meu pai queria que eu fosse um. Sabe aquela família tradicionalíssima do sul do País que se reunia à mesa para tudo, com a mãe em silêncio e o pai a olhar pesado para a vida e filhos!? Não que eu fosse um problema lá em casa. Por sinal, sendo o filho mais velho, tinha muitas responsabilidades. Conheci minha esposa e nos demos alguns poucos beijos até que, por conta de um jogo de futebol, quebrei o nariz e tive de me internar no Rio de Janeiro. Aos 17 anos, e isso lá na década de 40, me vi sozinho no Rio, sem conhecer ninguém, mas com uma vontade incrível de descobrir a cidade e, assim, acabar por me conhecer. Mas me faltava algo. Pode parecer bobo, eu sei, mas faltava aquilo que chamamos de metade. Para mim não é metade, para mim é inteiro. Me faltava o inteiro. Me faltava inclusive. Blumenau estava longe? Não sei. Trocávamos cartas desesperadamente. E é muito engraçado, porque isso ajudou a encurtar os períodos de ausência um do outro. Dois anos após sem voltar a Blumenau, as lembranças físicas do rosto dela me tinham saído da cabeça. Já não me lembrava mais com exatidão os detalhes da boca nem os contornos do nariz. Não fiquei preocupado. Continuava a gostar dela. Foi nessa hora que eu percebi que não era a extrema beleza dela que me encantava. Era ela. Eu tinha me apaixonado pelo que descobria aos poucos e pelo que não sabia dela. E isso me fez chegar aos 50 anos de casamento com uma ingenuidade indescritível. Sim, eu sei. Concordo. Mas a gente nunca precisa saber a exatidão das coisas nem a certeza delas. A magia do oculto, a angústia da dúvida, me parece ser o motor em relação ao entender o que é a vida. Quanto mais a certeza paira sobre o ar, menores são os prazeres da descoberta. A sua dúvida em relação a que vinho escolher tem um pouco disso. Não se sabe ao certo nem qual o prato principal mesmo que você me apresente a receita. E isso já é uma vantagem. Porque mesmo que você me detalhe aqui todos os ingredientes, isso não passará de intenções. E elas serão modificadas já quando as palavras saírem da sua boca. Porque eu tenho uma idéia do que possa ser um manjericão, mas para você um tempero pode representar muito mais do que um gosto a mais numa comida já cheia de fazeres. Como disse, daqui um mês completarei 50 anos de casado. E você acha que eu previa isso? Você acha que eu consegui planejar a minha vida? Os encontros inesperados são as provas de que o mistério e a angústia criam sentido para estar aqui hoje, conversando com você. Ou você acha que eu esperava ter uma conversa tão franca com você um dia!? Sequer te conheço. A gente nunca mais irá se ver, concorda? Mas sinto que continuo de algum modo responsável ou presente na sua história que tanto se parece com a minha. Se eu tenho certeza do futuro da sua?! Não! E agradecemos por isso.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Em algum lugar

O inglês, pelo mundo
O italiano, pelo gesto
O espanhol, pelo drama
O francês, pela delicadeza
O alemão, pela força
O português, pela saudade

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Los siete pecados capitales

"El deseo por la comida tiene mucho que ver con la historia de cada uno (...) Que las personas se sienten a tu propia mesa, compartan el pan y la bebida, es una virtud relacionada con la fraternidad. Por eso la importancia de saber que muchos no comen, porque no hay nada más fraternal que compartir la comida con alguien. En un pasado no tan lejano, cuando alguien defraudaba a una persona, se solía decir: “pero cómo iba imagina que me hiciera esto… si me he sentado a su mesa, he comido con él”. Comiendo se genera un vínculo donde se tiende en ese sentido lo mismo que con una gran desgracia, por ejemplo una epidemia: es un motorizador de unidad entre las personas."


“Los siete pecados capitales”, según el filosofo argentino Fernando Savater. Clarín, 20 de agosto de 2005.

domingo, 11 de julho de 2010

Da distância

Hoje eu entendi o motivo dessas ruas serem tão difíceis de caminhar. É para, como você sempre diz, irmos andando sem pressa.

Girar, girar...

Ele achou cômico saber que, enquanto a calcinha dela estava pendurada no box do banheiro, ela fazia sexo ao som do álbum do Vinícius de Moraes que ele tinha dado a ela. No disco, a assinatura e os escritos com a letra dele ficavam a girar, girar, girar, girar...

sábado, 10 de julho de 2010

Ela passa...

Ela passa... com o olhar apressado de quem não sabe esperar. Ele fica... pensando em quanto tempo teve de esperar. Ela surpreende... com o toque rápido de quem não quer esperar. Ele acaricia... aproveitando o tempo que não insiste em esperar. Ela abraça... o corpo trêmulo que pretende esperar. Ele fecha... aquela boca tensa que não julga esperar. Ela vai... com as vontades apressadas de quem não se permite esperar. Ele fica... pensando em quanto tempo mais vai ter de esperar. Ela para... Ele...

Esbarre de correr

"Pensar na pessoa que se ama é como querer ficar à beira da água esperando que o riacho, alguma hora, pousoso esbarre de correr" Guimarães Rosa